Junkier D 218, o primeiro avião a pousar em Macapá, em 1922
No dia 18 de março de 1922, pousou
em Macapá o primeiro avião. Na realidade, era um hidro-avião. Ele fez um pouso
de emergência por causa de problemas técnicos ocorridos durante a viagem. O
avião, um Junkier D 218, fazia o percurso New York-Buenos Ayres, quando teve
problemas mecânicos, forçando o aviador a amerissar em frente à baía de Macapá.
O depoimento de uma das testemunhas, Raimundo Perez Nunes, foi colhido de uma
reportagem publicada no jornal A Voz Católica, e de familiares do depoente. A
notícia é um documento para a história que ilustra, sem dúvida alguma, os
primeiros tempos da aviação no Amapá. Vejamos o que relata-nos Perez Nunes:
“Sete horas da manhã do dia 18 de março de 1922, véspera de São
José. Aporto em Macapá, oriundo de Igarapé do Lago, a remo, motivado por mais
um dia de trabalho duro. Naquele tempo, a comunidade não dispunha de motor, aí
a gente tinha a alternativa do transporte fluvial, movido a vela ou a remo.
Nédia dia a maré estava baixa. Exausto da viagem, encosto a embarcação perto do
guindaste, estendendo uma pequena tela encerada sobre as pedra. Deito. A baía
estava serena. A brisa soprava do norte e o sol espalhava seus raios sobre a
natureza. Todo esplendor, naquela manhã inesquecível.
Toda a cidade estava na rotina
normal. Os pescadores haviam chegado da pesca. Na fortaleza de Macapá, nada de
anormal. O intendente já estava prestando serviços. O vigário se preparando
para a celebração da missa, após ter distribuído a comunhão aos doentes. Eu
estava um pouco cansado, trabalhando desde a madrugada alta.
O silêncio, de repente, foi
quebrado, e vinha do alto. Levantei-me e
volvi os olhos em seu rumo. Vi uma canoa fundeada e cinco homens em movimento. De bordo,
um grito fez-se ouvir: “avião”. Fiquei atordoado, pois tinha ouvido falar em
avião, mas não tinha visto algum até a minha mocidade. Com a mesma curiosidade
da população que já olhava o céu, tentando localizar o avião, levantei a vista
e vi uma pequena mancha no azul do espaço.Era o sexto homem a avista-la.
A população passou a se aglomerar
em frente ao porto. Uma velha mulata começou a gritar em voz alta: “Meu Deus, é
o fim do mundo! É o fim do mundo!”. O pastor da Assembléia de Deus começou a
chamar seus fiéis para o templo: ´Meus irmãos, arrependei-vos enquanto é tempo,
que o fim do mundo está próximo!. O rugido de Deus através de seu filho está
ecoando aos quatro cantos do mundo. Oremos para que Jesus seja nosso advogado!
Alelula!´. E os evangélicos, começando a se concentrar ao redor do pastor:
´Aleluia! Glória a Deus! Estamos vendo a glória de Deus! Obrigado, Jesus...`. E
assim, todos os pentecostais estavam solicitando à população que ´aceitasse
Jesus enquanto havia tempo!´.
Um soldado começou a dizer seus
pecados em voz alta. Um deles, é que tinha traído sua esposa na noite passada.
A esposa, por desespero, o perdoou. Um velhinho de 66 anos, alquebrado pela
doença, começou a correr de um lado para outro. Mais tarde ficou constatado que
era paralítico e não conseguia dar mais de três passos. A caboclada começou a
recolher seu material de pesca.
As beatas da igreja de São José
largaram tudo e foram para o templo católico rezar. O vigário, mal acabava de
celebrar a missa, e experiente em aeronaves, começou a falar para a população
que se acalmasse, pois o avião não iria fazer mal a ninguém, e o mundo
ainda tinha muito tempo de vida a
cumprir. Todas as lavadeiras que estavam no Igarapé das Mulheres, largaram
tudo, até de falar mal da vida alheia, e correram em disparada às imediações da
Fortaleza de Macapá, sem saber, ao certo, o que estava acontecendo. O vulto
crescia rápido. O povo foi dominado por um verdadeiro êxtase naquela hora.
POUSO FORÇADO
O “pássaro metálico” deu uma volta sobre a cidade e rumou para a
baía., amerissando, dirigindo-se para a praia até encalhar. Na cidade, os
foguetes subiam no ar, comemorando alguma coisa que não se sabia, após o susto
da “ameaça do fim do mundo” ter passado. A população, na verdade, não sabia ao
certo o que era um avião, mas diante dos reclames do vigário, passou a encarar
aquele espetáculo de outra maneira. Na rua da praia, perímetro do Macapá Hotel,
o povo se aglomerava. Um grupo de pessoas corria pela praia rumo ao avião,
fazendo com que o resto da população corresse atrás.
Um dos pilotos, pressentindo que iria
ter problemas se todo mundo subisse à plataforma do avião, desceu para os
flutuadores a fim de impedir que os populares aí subissem. Eram alemães, e só
um deles sabia falar algumas palavras de português. O primeiro homem a chegar
ao avião foi Cirilo José Simões, que apresentou as boas vindas à tripulação. O
aviador foi carregado pelos populares até a rua, e conduzido num local de
destaque próximo à fortaleza de Macapá, onde a água não alcançava. Já em terra
firme, e no meio do povo que se comprimia em torno do aviador, estava José
Siqueira Lemos, que falava fluentemente o francês, idioma que os alemães
conheciam.
O aviador explicou o motivo da
chegada inesperada em
Macapá. Viajavam da América do Norte para Buenos Aires em
dois aviões Junkier, de fabricação alemã: D-217, que transportava combustível,
gêneros alimentícios e material indispensável à viagem, e o D-218, hidroavião
de comando. Sobrevoavam a costa brasileira, quando o D-217 projetou-se no mar.
Dos três tripulantes, apenas o mecânico foi salvo pelo D-218.
VISITA AO PÚBLICO
Sem gasolina para reabastecer, rumaram costa acima até
Macapá, chegando com combustível apenas para cinco minutos de vôo. Quando a
água encheu, o avião foi levado para o Igarapé da Ponte da Fortaleza, ficando
novamente encalhado numa praia de areia. As autoridades locais deram toda a
assistência necessária aos aviadores.
O
avião foi vigiado pelo pessoal da prefeitura. À tarde foi franqueada a visita
ao público. Viam-se todas as classes sociais, autoridades, famílias e o povo em geral. As irmãs
religiosas do Colégio de Santa Maria (que funcionava onde atualmente é a
Farmácia Cristo Rei) levaram as alunas para visitar o avião. A saraivada de
perguntas das alunas foi motivo de curiosidade. O prefeito, à época, era
Alexandre Vaz Tavares. Ele decretou dois dias de folga para todo mundo. No dia
seguinte, José Lemos fez seguir sua canoa “Marina” para Belém, levando o
comandante do avião.
Dez
dias depois, chegava a “Marina” com combustível. Reabastecido, o avião partiu
rumo a Belém, levando como passageiros José Lemos que, conhecedor da costa
marajoara, salvou a tripulação de forte temporal, orientando a descida na Ilha
das Flexas, e lutou contra o mar e o vento até abrigar o avião em tempo seguro.
Nessa luta, foi José Lemos acometido de forte pneumonia. Dia seguinte, em
Belém, ele foi hospitalizado por conta do governo alemão, até seu complexo
restabelecimento.”
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