No final dos anos 40, um homem vindo da
cidade de Mazagão Velho resolveu montar um negócio. Comprou a área onde
funciona atualmente a sede do Sindicato dos Bancários e lá montou uma venda,
construída em madeira. Um ponto comercial simples, porém, bem equipado. Lá
tinha confecções, picolé, sorvete, produtos alimentícios, suco, refrigerante,
aguardente e um nome sugestivo: Bar caboclo. Abrão havia despertado a atenção
do povo de uma simples cidade onde quase não havia entretenimento e tudo era
novidade.
O bar ficava em área alagada, onde pontes de
madeira serviam como passarela para o vai-e-vem dos dias e das noites. O novo
ponto comercial da cidade foi visto como uma mina de ouro por mulheres que
sobreviviam da prostituição. Não havia local melhor na cidade para se conseguir
fregueses. Ali próximo atracavam todas as embarcações que chegavam à Macapá
trazendo caboclos ribeirinhos e também marinheiros estrangeiros que ao
desembarcarem faziam logo procuração pelo bar.
De acordo com Abrão, o Bar Caboclo nunca
serviu como pista de dança e muito menos chegou a ser hospedaria de
prostitutas. Segundo ele, o que não faltava eram quartos naquelas imediações
para que elas desenvolvessem suas atividades.
“Eram apenas minhas freguesas. Me davam certo
problema porque afastavam outro tipo de freguesia. Mas não poderia proibi-las
de entrar no bar, mesmo porque elas também me davam lucro”, conta pensativo.
O
proprietário do bar tinha lucro com as prostitutas porque quando um freguês se
engraçava com alguma delas não tinha pena de esbanjar dinheiro. Abrão cita um
costume das freqüentadoras de seu bar: “Adoravam pedir para os caboclos pagarem
cerveja para elas e me diziam no ouvido para eu esquecer a bebida e entregá-las
o dinheiro mais tarde. Nunca gostei disso”.
Quando os marinheiros não tinham
dinheiro para pagar o serviço de bar e o serviço das mulheres, sempre deixavam
jóias para cobrir a dívida. Abrão exibe até hoje um anel que recebeu de um
gringo (jornal de 1995). Quanto aos caboclos, esses, quando não tinham dinheiro
para cobrir suas despesas, o dono do bar até que aceitava um pagamento
posterior. Mas com as prostitutas não tinha acordo. A pancada comia e a Guarda
Territorial entrava em ação.
O bar enfrentava outros problemas. Macapá era
abastecida de energia das 22h até às 6 da manhã. Por determinação da Guarda
Territorial o ponto poderia funcionar apenas até a meia-noite. “Era a época em
que tínhamos como Governador Evanhoer Gonçalves e havia um delegado de polícia
chamado Isnar Leão que não dava mole. Ninguém ficava fora de casa depois da
meia-noite”, enfatiza Abrão.
UM
NOVO BAR
O ponto comercial de Abrão deu certo
e em três anos ele inaugurou um outro bar, todo em alvenaria, muito mais
equipado e pintado em cor rosa. No seu interior tinha uma gravura, de um casal
de índios, feita pelo pintor Herivelto. Era um prédio, segundo Abrão, bastante
chamativo. Havia poucos como aquele na cidade. O empreendimento mudou de cara e
de local, mas o nome permaneceu o mesmo.
Agora o bar caboclo passava a funcionar onde
está localizada atualmente uma loja de discos. A freguesia aumentava mais
ainda. Em menos de uma hora de funcionamento o comerciante conseguia vender
quase quatro grades de cerveja. O bar já era freqüentado até por p3essoas
consideradas da “alta”, mas alguns homens não admitiam que suas mulheres
pisassem no local. Há um antigo comentário de que um radialista da Rádio
Difusora de Macapá chegou a ir buscar sua esposa aos tapas na porta do bar. Ali
também era considerado o ponto da fofoca. Depois de alguns copos de cerveja, os
homens costumavam fazer comentários sobre os casos de adultérios da cidade.
Outro assunto de mesa de bar era virgindade. Todos pareciam saber quais as
garotas que eram e as que não eram virgens.
Com o passar dos anos foram aparecendo outros
estabelecimentos comerciais na cidade como as boates Merengue e Suerda. Como
tudo o que aparecia em Macapá era novidade, essas casas chegaram a roubar a
freguesia do Bar Caboclo. A Suerda funcionava como prostíbulo e suas
prostitutas tinham fama de ser bonitas. Muitas vinham de outros estados para
disputar o mercado com as amapaenses do Bar Caboclo. Mas essa concorrência não
foi fato para prejudicar o sucesso do ponto comercial de Abrão. As
freqüentadoras do bar caboclo não inflacionavam o preço de seus serviços e
recuperavam seus fregueses.
Seria um erro falar sobre o ponto comercial
de Abrão sem citar que o bar era uma espécie de reduto dos literatos e
jornalistas da época. Muitos deles não iam para o bar com intenção de pegar uma
prostituta e levar para um quarto. A movimentação de ir para a cama com alguma
prostituta, as brigas, o comportamento de quem olhava o movimento de fora, a
fofoca, enfim os intelectuais sabiam que estavam freqüentando um ambiente que
ia entrar para a história do Amapá. Apesar da fama, o local tinha um comércio
diversificado.
O FIM DO BAR
Abrão diz que com o aparecimento do Plano
Cruzado ficou sem condições de trabalhar devido a crise financeira.
“A crise me pegou de jeito e tive que fechar
o negócio”, lamenta. O velho Bar Caboblo foi alugado então ao comerciante
Edivar Juarez que lá montou a loja Discão Sucesso. Foram anos de trabalho
insuficientes para dar a Abrão a vida de homem rico. A história do bar Caboclo
hoje é enredo de peça teatral. O que não é de agrado daquele que foi
proprietário do bar. “Ninguém veio me procurar para saber da história. Tudo foi
desvirtuado e é compreendido como fato verídico. Isso não poderia ter
acontecido”, enfatiza.
Atualmente Abrão reside na avenida Iracema
carvão Nunes, em frente a caixa Econômica (jornal de 1995). Divide uma casa
simples com uma filha de criação e a esposa, Mirian Fonseca de Castro, que
trabalhou também no bar, ao lado do marido, e hoje vive em uma cadeira de rodas
compartilhando com Abrão as memórias dos velhos tempos.
Com o fechamento do Bar Caboclo, as prostitutas passaram a freqüentar o Bar do Chico que dificilmente era
chamado pelo nome. As pessoas sempre se referiam ao ponto como se ali fosse o
bar caboclo. Agora o sobrado foi demolido e lá será construída uma loja. As
prostitutas nada puderam fazer para evitar o fechamento. Mas prepararam uma
feijoada para dar adeus a uma história onde foram as personagens principais.
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